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segunda-feira, 9 de novembro de 1998

CARNAVAL DE INVERNO





/EM TRANCOSO/


CARNAVAL DE INVERNO



 
O inverno daquele sítio era medonho e triste, como a casa onde vivia escura e velha tristemente vazia.

Tinha companhia de alguém que já ali não estava, e tinha a companhia de minha mãe que à lareira nos aquecia, assando espigas de milho cujos grãos quebradiços se derretiam na boca como pipocas… e saltavam batendo na porta.

Toda aquela terra tinha um ar sombrio, não sei se era do tempo que fazia, se das ruas com aquelas janelas vazias, todas elas com casas antigas e a pedra fria ladeada pelas calçadas…

Era um gelo que nos acompanhava no princípio da avenida até ao final do estradão, um silêncio mortal das almas inquietas imorredoiras, naquelas paredes de cimento e cal como rochas tumulares.

Todos os homens e aquelas mulheres vestidos de negro, pareciam fantasmas, falavam e não diziam nada ou estavam falando de negócios da feira a que estavam acostumados, e repetiam as mesmas coisas com gravações de preços e trocadilhos, parecia um ritual de gente antiga, de seres que não eram deste lugar e faziam parecer nada de nada… 

Um costume lúgubre do dia-a-dia cheio de pavor e melancolia.
E os gigantones com seus rostos cabeçudos festejando o carnaval, completavam o quadro daquelas ruas ao som dos tambores, não conseguindo disfarçar o tom fúnebre com saltos e gaitadas de arrepiar os meus interiores…

Um batimento de almas despidas bailando na praça da tristeza com a sensação de impotência, um sentido que a vida não possui sentimento nem a vida um sentido, embora imitassem o contentamento no sentir.

O inverno daquele sítio era medonho e triste… como o tempo que fazia não existe, não tinha tempo nem moradia, era uma invenção da chuva em neve, vácuo gelado e vazio num lugar sem beleza nem conforto, velho e podre decadente num cheiro a mofo de humidade e ar viciado, odor de algo antigo e estragado, insuportável e rançoso.

Nunca tinha sentido tanta tristeza, tanto frio, tanto desgosto… uma ausência de alegria, prazer ou gosto.
Nunca tão longe me senti tão perto do inverno daquele sítio medonho e triste inferno… nunca tinha sentido tanto frio, sonolência, fraca existência da vida, simples vazio.