CONFIDÊNCIAS
DE UM LIVRO
IV PARTE
Pág. 129 / 182
Falar de
altura?
É um
estratagema trocado por miúdos – uma fraude.
Se houvesse
um dilúvio em vez de chamas como se houvera tapando toda a claridade do ar… correria
alienado para o ponto mais alto do pico.
Ou então,
fôra eu uma perdida queda de Ícaro?
Não
precisaria trocar de barbatanas, tubos respiratórios ou óculos do mar.
Mas se caísse
um raio do céu fazendo tremer os mundos?
O melhor
seria deitado de bruços, usar chapéu de coco contra as pedras!
Rastejando
como uma cobra sem mausoléu, ver debaixo, sem levantar os olhos da terra.
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A melhor
“altura” é a do sábio: o homem mais alto no conhecimento do vale e de todos os
paraísos. A beleza das florestas será matéria da Natureza /Deus da sabedoria/,
e o seu discípulo a “ignorância”, o Apocalipse do fogo e da água.
Já não são alegorias nem outras coisas do
sono…
nem a aflição que morro, mas antes as
noites de flagelos
em permuta da utopia pelos pesadelos.
Faço a avaliação de tudo o que me
rodeia e às vezes até de mim próprio, levado que sou pela sensação das
comparações… dou comigo a libertar o corpo entre congas enfeitiçado, pondo à
solta a rainha alma em constantes medições com a estatura do eu, e a essência
das serras apoiando os pés com o nu da pele ao vento, dominando o mundo descomunal
que é mais baixo na vertente da minha vida, e elevado se ponho asas na colina
dos meus marasmos.
Fecho os
olhos e estendo os braços, sondando o perímetro em frente como se tratasse dum
voo experimental da mente, entre o ar e as nuvens do que sonho.
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Inconsequentemente
tenho uma grande vontade de saltar o desconhecido, que por não saber o que é me
aflige, e ainda pior se não me decido no vago hesitar, como um respirar agitado
e um calafrio de suores que encharcam lençóis em ritmadas batidas, e aceleram o
coração quase prestes a rebentar como uma bomba entre veias e sangrias.
O vaivém das
ilusões no sono, são medos intransponíveis que nunca consegui transpor, apesar
do abismo da queda ser infindável como o tactear do algodão naquela percepção
do falso desejo certo… que nunca sei onde começa ou acaba. Prestes que estou a
realizar com sofreguidão o que anseio, também dou por mim a fugir num
milionésimo do terror, ao pressentir que no fim vou bater em algo que não
quero… sentindo a dor do susto substituir num ápice o alívio do despertador no
acordar, e interromper esses letargos repetidos noutras noites alucinantes.
Sou um
vivente que reside na poeira do fumo transparente... como razão do não existir.
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Dissecar a
forma de pensar como arte intemporal na superfície da Terra, é um binómio que
transcende a consciência de mim próprio, e me coloca em bicos de pés ao
enfrentar impressões da ciência alma, e por ser irrealizável, difícil criar
emoções terrenas.
Se por acaso
persistir alguma dúvida particular, daquilo que o íntimo provoca em meu seio:
da pintura como tinta escrita escondendo meus reflexos na máscara… resultará o
meio exacto para reduzir a decomposta em ideia invisível, vivendo como espírito
num determinado espaço real, onde exista como matéria.
A mim será
atribuído o afunilar máximo das impressões internas sem esqueleto, conduzidas
na possibilidade da invenção criar a realidade, e levar as coisas da matéria ao
seu poiso como imaginárias, quase como uma troca de identidades, onde o
incorpóreo terá o seu significado como sinónimo contrário.
Até a
matéria pode ser irreal, se desaparecer… assim tem sido a minha vida na
realidade, daquilo que sou, para de seguida chegar à conclusão de que ela não
tem sido nada…
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Não deixei
laços de sangue ou obra que justifique uma prova, quase me atrevo a dizer que
não existo – só me falta dissipar como o vento, noutra dimensão, onde não seja
preciso ver para crer.
/... espero
um dia distorcer o tal obstinado torcer... poderá ser uma questão de resistência,
vencer./
Não diria
que sou um fantasma, mas não consigo esconder o espírito na única forma de
viver que é este amontoado de ossos e carne, na arte abstracta de Picasso. São
mais as coisas invisíveis que me caracterizam, e que ao deixarem rasto… se tornam
espirituais, parecidas com o meu corpo na forma de escrever.
Aqui posso
deixar algo que não seja insípido, tenha sabor de imortalidade, embora a tinta
coisa manchada, transforme as palavras na minha alma… e lá volto eu ao não-eu
da minha existência circular no seu ciclo vicioso, na rotação da Terra… na
minha volta contrária à roda da humanidade, porque não sigo as normas das
espécies mortais, coisas fastidiosas e tão chatas.
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Nego e
aprovo toda a minha negação do ser… e de não ser, porque sempre vivi noutra
dimensão pelo qual os sonhadores, se volverão os grandes antecipadores do
conhecimento e sabedoria futura.
Entre mim e
os outros, as diferenças são todas na maneira de ser.
Excepto o
mover dos jeitos, a fisionomia dos vividos, e o caminhar erecto das
encruzilhadas na origem dos passos.
Ponho muitas
vezes à prova o carisma da minha personalidade, enterrando até às raízes do
cabelo as convicções que defendo, não desfiando segredos espirituais em troca
de bens terrenos, apoiando todas as ideologias que conheço sem receio de
comprometidas adulações, ou o modo de outros defrontar a análise que faço do
meu psiquismo na vontade que têm de enfrentar o meu estilo.
Por vezes
não é fácil o descontentamento que provoca toda esta exposição, que põe a
descoberto a nudez penosa dos meus sentimentos e se torna carrasco de mim.
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É como eu, nem mais nem menos que os
outros... somos… não sabendo donde. E porque sou… não faço desvios de feitio ao
milímetro, sejam para um lado qualquer do triângulo da minha vida, convencido
que serei… se for um ser um pouco douradinho com pintinhas além-espírito – Um
ser bonzinho com asas de formiga.
O estudo que
faço de mim, é um pouco a imagem frequente que provoco nos outros, reflectida
no espelho dos meus olhos.
Na generalidade
sou uma pessoa franca e alegre com quem a maioria engraça, medindo as
distâncias entre as formas de ser e representar, se por acaso lhes desperto
atenção e a minha actuação lhes é benéfica.
É a reacção
evidente de quem anda à minha volta… como se um fecho de luz irradiasse na
expressão facial todos os indícios que resultam no estado da alma, o dom de
imitar Deus com respeito, ainda que se desconheça quem é.
Assim serão
os sobreviventes que coabitam nos grandes centros.
Vivemos
perto um dos outros, entrecruzando mentes como estranhos alienígenas, tendo
único ponto em comum… os olhares dum mundo fugindo, desconhecedores de quem
habita, ainda que sejam vizinhos?
E que do
medo desconfiam por viverem como bichos…
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Quantas vezes ao redigir entre o meio
espertar e dormente, se adormeço, entro na utopia dos meus sentimentos como se
o real fora esse momento, e o acordar uma ilusão do sonho.
São duas
situações no mundo que convivo intensamente, e se numa o sono pode ser vida
imitando o dia-a-dia, noutra o não dormir pode remeter aos meus sentidos o
sonho vivo, como se a luz acalorasse a parte estancada da alma.
Ambos podem
ser divergentes, se são mais ou menos nos seus pólos, mas idênticos para quem
consiga habitar o gémeo entendimento na sua extensão paralela, como o sonho e a
existência embora opostos, convertidos na sua cúmplice dimensão, vivendo em mim
como uma só realidade.
Aqui a
matéria torna-se exclusiva na sua dissemelhança.
Nasce e
cresce no auge da sua juventude, definha e morre na mesma natureza, usada como
uma capa que se descarta no fim do ser, por vergar com o peso a fraqueza do
corpo.
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Já o
espírito é algo que se acredita mesmo que não se veja.
Mas quem usa
o dom como faculdade, sabe que a sua essência coexiste na humanidade como um
sonho que vive temporariamente no mundo da Terra, e eternamente além-mundo… à
espera doutra substância. Tem esse mistério de ser e do não-eu… viajante do céu
e da fantasia das trevas, percorrendo milénios em busca da perfeição com a
finalidade de ser anjo.
Tudo
tem uma duração enquanto palpita. Se todas as células vivas por serem vida, por
acaso morrem quando corta o respirar, o corpo é como o vento quando se desfaz
em pó, e não se vê num sopro só, mesmo que se misture no ar.
Esta
embriaguez que transporto como um fardo no caminhar, seguem meus passos
cansados sem acto de ser nada, por um pé indiferente à sua passagem.
Não é fastio nem tristeza que sinto, é uma mudança de
feitio com outro adormecimento, de umas tíbias que batem no baixo inconsciente
à volta do olhar como falanges à escuta, oprimindo entre a nuca.
137
E não se sabe nunca!
Passa o que é nada…
ainda que dentro da gruta,
caia uma gota de água…
Um dia não são dias… mas há outros
dias neste dia.
Como um
segredo, pairava no ar uma onda solta de marulho arrastada pela aragem do rio,
começando a invadir a vila do Porto Alto…
Agoniava
como uma maré vazia cheia de algas estragadas, tal era o lodo e o meu olfacto
apurado naquela manhã de nevoeiro húmido, num entorpecimento frígido de mar
morto, com cheiro a cadáver…
Os dias deste dia, não são… nunca foram outros dias como este dia…
Tudo parecia
silhuetas de nuvens almofadadas, soltas como asas num branco falso, salpicadas
do cinzento arrastadas pelo desabar do vento, que o céu ameaçava a todo o momento
coisas que vinham do ar faiscante…
São
situações, são actos da natureza, aflições do clima, coisas mansas que se põem
bravas, e nos passam por cima.
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Os dias também são um dia, outros
dias…
Nunca tinha
sentido o acontecimento de altas temperaturas como uma coisa estranha,
extremamente peganhosa e sufocante.
Não se pode
andar na neblina quente da rua com a roupa colada à pele, com o oprimir da
garganta seca, e a impressão que faz isto tudo um inferno!
Até em casa
é um calor intenso… o ar condicionado sai, e quando se espalha já vem cálido…
mas mesmo assim é melhor permanecer na habitação.
É uma
impressão que esquenta o corpo e derrete a incandescente alma…
E tudo, porque há um abafar do deserto de África que antes era noite de gelo, e depois abrasa, vem dos lados caindo dos altos medos... cortando o ar a quem respira veludo e engole morcegos...
139
Um dia, os
dias também serão um dia… o meu dia.
Este
Peristaltismo que sinto na barriga a uma hora qualquer sem aviso, é prenuncio
de algo que mexe na sua semelhança… habilitando o faro nas paredes do olhar
como um envergonhado rumor sem controle pleno.
É como o
nascer da luz e o entardecer pardacento de repente, um sopro que se extingue ou
um clarão que chispa, tudo pára no mesmo sentido: um momento vira, no outro
derruba – e nada é absoluto - Tudo porfia.
E anda tudo ao desalinho…
e depois nas trevas piscantes,
se existe… onde há vida?
Como um pião quando cai do giro,
se a Terra pára no seu movimento…
amanhã haverá um novo dia?
O tempo congela a luz no firmamento.
Será um cinza novo...
depois um novo dourado…
com um eu humanizado,
inventará um novo povo?
140
Toda a esperança reside no facto de
não a termos.
Todas as
minhas expectativas estão imbuídas dum fracasso estéril, cujo paupérrimo fragor
me impossibilita de abstrair do seu máximo fulgor.
São um
factor de jactância que reincidem em vapores húmidos que enegrecem a atmosfera,
esboços esfarrapados de borrasca com contornos de falso alarme.
E nada é
quando não existe, o toque do rebate disparado como um dardo para anestesiar o
inconsciente e iludir a esperança.
Por vezes
apetece-me sair do bem bom, ao romper com a saúde mental, e vociferar às gentes
da minha natureza para exterminar imagens paisagísticas não localizadas,
conforme as tempestades da mente ou as explosões de feitio, ao que concerne
voltar a instituir os bons modos para a vida retomar a rotineira costumada
sociedade, e eu seguir a trapalhada do meu destino.
Pensando na
fadiga como a extensão da fraqueza, por vezes entro em rotura com a
resistência, e então tudo mói, como um esgotamento se derreia e paralisa.
141
O meu
contentamento é tão penoso como o sofrimento, se comparar que entre mim e o que
vibra - há uma vidraça transparente e delgada que perfuro mas não consigo
atingir.
Ponderar a
minha mágoa sem razão com que motivo, se a demonstração é uma dificuldade que
não quero, e quem é infeliz não se pode cansar, mesmo aceitando os sinais
vulgares que me afligem, eu não tenho a força da alma que me dê descanso.
É uma maré
cheia de desilusões que vou retirando do meu pantanal. Já nem insisto ou busco
o propósito do meu caminho.
Quanta
incongruência em satisfazer-me?
Quanta
impressão escarninha de sentimentos imaginados?
Tanto
emaranhado entusiasmo com as sensibilidades, das ideias que andam espalhadas na
atmosfera e nos oceanos perdidos das lágrimas… já nem tenho mais alma que
suporte tanta dor, esgotada que está da minha existência.
Todos temos
no nosso armário um fato muito antigo, que usamos todos os dias acoplado às
nossas faces de palhaço - rico ou pobre.
142
Basta ver
nas horas rápidas os rostos enlouquecidos ou preocupados com a azáfama do
tempo.
Se tomarmos
atenção às expressões… e à sua forma, veremos todos estes veraneantes com cara
de mimo, cada um no seu papel de fisionomia característica a que está
acostumado e nem sequer dá por isso, tal é o stress e a pressa adjacentes à sua
corrida, como a ocasião do nada ou tudo.
Assim me
considero eu todo o tempo real da minha companhia, num apenas pequenino senão:
sou um ingénuo cheio de desilusões mas sem urgência de meus passos, porque
esses sempre foram dados ao acaso com uma lentidão que agonia.
Quem vier do céu e tiver espírito guerreiro,
assim que alcançar a beleza da Terra,
será um anjo no mundo inteiro!
Mantendo a paz longe da guerra.
Encoberto na
caixa de Pandora o símbolo de regeneração perpétua, vejo a esperança que o
mundo necessita para combater todas as anormalidades sombrias dos espíritos
inquietos.
143
Mirando
detidamente o horizonte com olhos perscrutadores, desperto anos-luz do vácuo
infindo com mandos que o saber desconhece… atravesso todas as eras de
mistérios, e antevejo meu ser como um ente viajando no tempo, vivendo todas as
almas do passado nos corações eleitos.
Por aqui
caminho fazendo da idade um estudo, de olhar cúmplice na ilusão das coisas tão
belas, que aprendi a amar como um paisagista, venerando o deserto das águas e
oceanos de montanhas até à população das criaturas nas florestas.
A minha
concepção de vida tentando evitar o medo das incertezas com o acontecimento
dela, não esborracharia a coluna do pensamento, se todos os meus princípios não
têm sido uma fôrma de barro moldando pessoas, andando a contravento… mas
então, porque me importa o que os outros pensam?
Só me ocorre
as palavras: Não interromper minha paz de espírito.
Todos os
dias me cruzo com dezenas de pessoas de ambos os sexos… para além de meus
conhecidos, são colegas de trabalho.
Da parte dos
homens, dizem por ser livre, que sou irresponsável.
144
Da parte das
mulheres, o mesmo epíteto, acrescentando o privilegiado porque não me falta
nada… quando falta tudo.
Compreendo a crítica, só não entendo
as razões do julgamento nem dos juízes, mas como não devo ser anti social, faço-lhes
a vontade e nesse dia sou quem eles
querem que eu seja – um pseudónimo.
A melhor
resposta é pôr o silêncio a sorrir, e nada que contradiga.
Basta alguém entrar em conflito, para toda a carga negativista desinquietar todos os espíritos que andam no ar, e apoquentar minha tresmalhada alma que tenta de novo recuperar a paz.
Basta alguém entrar em conflito, para toda a carga negativista desinquietar todos os espíritos que andam no ar, e apoquentar minha tresmalhada alma que tenta de novo recuperar a paz.
Tenho
necessidade de estar bem com os outros para ficar bem comigo. É o único ponto
da minha personalidade que eu altero para benefício do mundo que me rodeia, de
resto, aquilo que sou não modifico uma vírgula… e até costumo frisar que os
traços do meu rosto são expressões sinceras daquilo que sinto, e o carácter
vincado da minha alma bonacheirona, não é mais que um reflexo do que sou.
Ao saberem
que não escondo as minhas emoções, até me podem chamar “piegas”, porque o que
sou, ou como sou, nem um tremor de terra me abala.
145
Pouco me
importa a maneira de ser dos outros, ou o que possam pensar… desde que o
respeito seja recíproco.
Cada um é
como é, e eu até gosto do ser sentimental que há em mim, e nesses outros também
que me seguem... que têm o arrojo de se despirem de todos os preconceitos a que
estamos sujeitos, sem medo de perderem a coragem.
E a autenticidade das minhas acções jamais
poderão pôr de parte as vozes que me confortam o coração, mesmo que invente uma
ilha isolada onde tenha só por companhia os ventos e os peixes do mar, e seja
só eu e o mundo…
A minha
janela virada para o solar das estrelas, é uma cadeira, uma caneta, uma folha,
e uma voz amiga em franca companhia… ainda que venha do espírito, será o meu
coração por palavras o diálogo que irei ter com todos aqueles que gostam de
conversar, e queiram espantar a solidão em todos os ângulos das suas forças.
146
Depois,
depois os cantinhos onde se abrigam os segredos dos meus sonhos… entre nuvens
de paraísos secretos com habitantes díspares e louca extravagância de imagens,
que me põem numa apatia estéril com perca de gestos numa acção inexistente,
onde os movimentos são perceptíveis apenas em câmara lenta na divisão dos
segundos… incontável eternidade de angústias.
Mesmo sendo
eu um sonhador incansável, há pausas em que tudo se esvai, mas a claridade do
que é vero torna-se límpido, e o nevoeiro se dissipa. Então, ao rever o que me
cerca, só de ver, sinto a carne dilacerada como se fosse esventrado,
fervilhando em bolhas de sangue a carne viva do escalpelamento da alma.
Todo o meu
corpo parece uma bola de trapos, representando os pontapés que a vida me dá, e
eu recebo sem apelo nem agravo… só o coração tem pena da minha dor, e como um
bom amigo está cheio de amor nas alegrias, e sofredor nas horas tristes.
Posso
acabar… enlouquecer ou morrer… mas nunca vou parar de sonhar.
147
O dia sibila
como uma serpente enrolada à minha áurea luzente, tentando entorpecer meu corpo
como o anoitecer nos fragores do vento… Desconhecendo o porquê da minha
dormência, encontro a mesma razão que existe nos meus dias.
Na mesma
onda vem serpenteando a paciência da ternura, para enfrentar parte das horas
vacilantes… sei apenas do aborrecimento incompreensível que me causa
sofrimento, e sobrepõe nas ocasiões da minha dor como uma ferida mal curada, a
quem o costume compara a indiferença e hábito ao mesmo tempo.
É a
resignação por sentir uma carícia, o calor da mão duma mulher, que enfrento
todos os momentos infernais… dois corações que se amam enquanto vivem
separados, porque estão condenados dentro doutra prisão …
Porque
existe Deus nos períodos extremos?
E só o Diabo
nestas alturas…?
O céu
encontra-se no meu olhar, quase lhe toco com os dedos…
é tão fácil
alcançar como uma lua ou duas!
Mas no
inferno dos medos, mesmo sem lá estar, arrasa!
Queima como
brasas.
148
Quero pensar
em tudo… ou numa só coisa de cada vez.
Posso pensar
na vida, mas não dissociar o seu antagónico parceiro.
Aí, o pensamento está relacionado no seu todo,
e duma só vez, o que me rodeia até ao que não existe - estou a pensar mesmo em
tudo.
Posso parar
de sonhar, mas como o sonho é a minha forma de viver, se o fizer – morro.
Então, para
continuar vivo, se findar por tempos intervalados (embora tenha de suster a
respiração como se faltasse o ar à minha volta), vou ficar roxo de veias
salientes se o sonho for um pesadelo, ou mesmo verde de aspecto se não acordar
do coma da morte real, que também é uma maneira de sonhar.
Ambos são
morte aparente do sonhador, mas como só posso ter um sonho, se optar pela vida
– só posso pensar numa coisa de cada vez.
O fascínio, o que me entusiasma?
É estar em todo o lado por Graça…
Se pensar em dormir em vida?
Sonhar todos os sonhos obriga.
Como um Deus invisível
dizem que existe… é possível.
149
Sou mais
verdadeiro se tiver a visão do todo… sinto um bem-estar associado à consciência
da vida, se atingir a imortalidade da alma.
E o
acontecimento não tem nada a ver com o Deus dos homens, mas perder a esperança
de sonhar como um Deus, aborrece-me de morte!
Há nos meus
sonhos uma estátua…
A estátua é
uma figura humana sentada com as mãos em cima dos braços da cadeira, de costas
à minha visão.
À volta
dela, os pombos vagueiam como pedintes anafados sob tripés minúsculos.
Não precisam
de fazer nenhum esforço.
Há uma
badalada do tempo perceptível à audição própria das aves…
Chegada a
hora do encanto, a estátua levanta-se com uma saquinha vazia lançando migalhas
ao seu redor (como o milagre dos pães e das sardinhas…) enchendo os bicos
daquelas gordas e bamboleantes silhuetas, titubeando aqueles pescoços num
vaivém qual estica e encolhe… engolindo os grãozinhos como receitas de milho, a
quem elas tanto querem quando deixam de ser mármore.
150
Aquela estátua ao virar-se, para
preparar o regresso à sua costumeira posição, move-se no sonho dando pela
minha presença, provocando em mim o sobressalto do meu coração como a surpresa
dum arrepio inexplicável.
O rosto que vejo na forma humana é o
meu.
Tido do susto que é o reconhecimento
de mim próprio, análise concreta dos meus olhos, ainda estou no sonho, e como
sonhar para mim é viver - a minha vida estática, biforme, é uma estátua real,
de pedra e cale quando a carne findar…
Na tarde cinzenta cheia de nuvens...
sombras... e guarda-chuvas.
Vim cair aqui sem razão que me
assista, como os porquês envoltos em mistérios que somos todos nós, seres
incógnitos da vida.
Sei quem sou, mas donde vim,
desconheço tal paragem.
Nascer, desconhecer a ignorância da
essência, até me pode escapar esse acto espontâneo.
Agora morrer… porquê?
Só penso nela quando os outros
morrem.
Porque a carne não pode ser
imperecível, mas o espírito sim?
151
Eu acredito,
porque quero viver sempre… mesmo que seja engano, e só o vou saber quando a
morte vier bater à minha porta.
Já alguém
pensou que esta pode ser a verdadeira razão da tristeza humana?
Só o sonho
da minha vida incessante é o acto natural do meu sonhar a qualquer hora do dia,
transformando as horas eternizadas em dias inextinguíveis.
Podem ser
banais, nostálgicos ou mesmo vazios… mas são naturalmente eternos, porque todos
os meus sentidos vêm desembocar ao cais do aborrecido.
O
aborrecimento é a fórmula da minha imortalidade.
Como um
clarão, sei que estou só no mundo.
No entanto,
passam tantas sombras sem me tocar, e as poucas que tentaram… o seu toque não
era sentido, nem o coração nem o espírito eram íntimos.
O meu
espírito também o sentiu, e nem sequer precisou da luz que me segue, nem do sol
que ilumina e reflecte nas sombras pensamentos sombrios…
152
Contemplar a
beleza que o nosso coração alcança,
é viver no
templo do nosso sonho.
Toda a minha
vida tem sido uma ilusão, daquelas que deixam pegadas de sonâmbulo. Falta-me
contemplar o resto dos meus dias… para não haver tropeços no caminho.
Olhando para
dentro de mim… sei o que me espera, porque conheço melhor que ninguém, todas as
funções das células que revelam o meu eu. É como saber antecipadamente o que me
vai acontecer, e sendo, não é do meu agrado, porque quem vive na ignorância,
poupa muito sofrimento.
Na minha
parte exterior, usando a preocupação como um caminho, poderei ser surpreendido
com um espanto ou embaraço, porque não há solução para os problemas que me
causam angústia, desde que me conheço.
Posso
atraiçoar o mundo inteiro, mas não é esse o meu propósito nem a razão da minha
fraca existência, quando tento passar os dias a enganar-me a mim próprio.
153
Não creio
que o destino esteja traçado, porque ele é feito de seres que nascem e morrem,
e à medida que acontecem, vão alterando a nossa linha da existência.
É sempre o
último acontecimento fora do normal, que tem haver a maneira como vamos partir
deste mundo. E este, é um caso simples de que ninguém pode fugir, por mais
voltas que possam dar na campa.
Tratá-lo de
modo distinto, elevando o poder matemático pelo conhecimento adquirido, é
aumentar o facto vezes sem conta na inquietação da vida, um acontecimento cheio
de regras que o torna complicado.
Por isso,
temos as raízes quadradas da nossa mente emaranhadas como fios de telégrafo,
aprofundadas no profundo dos nossos pensamentos, que vão tentando ignorar a
escuridão onde as estrelas com o seu feitiço tentam encantar a lua, dando
voltas ao planeta como um vício desconhecido.
O meu olhar
contemplativo embora nunca tenha saído do fulgor que me assiste, teve sempre o
infinito como o universo da minha prisão.
154
Não sendo um
homem completamente livre… todos os anos da minha vida fui prisioneiro na cela
onde vivia o meu coração, mas nunca fui um arrependido.
No entanto,
livre, é todo aquele que não ama, ou não sabe o que é o amor.
A fidelidade é um sentimento fidedigno que
exige lealdade e compromisso.
O amor, acto sentimental, é guia
universalmente conhecido da vida.
Viver feliz,
é quando se ama alguém com o desejo de estar sempre a seu lado, não conseguindo
disfarçar o amplo sorriso de felicidade, a dádiva que é ser correspondido no
mesmo comprimento de onda, até à fusão da luz onde os corpos sentem uma
igualitária necessidade de amar, tal é o poder do amor.
A força que
me trespassa envolvendo a minha vontade, me dá energia criadora para construir
um novo eu cheio de êxtase, revelando na sua transição a emoção do amor.
155
A esperança
de me inserir numa nova terra, habitar um renovado céu, fazer parte de um novo
mundo… encontrando a pessoa amada, é a entrada da qual fará parte toda a minha
ânsia de viver.
Enquanto
subsistir o amor, que não é mais do que a descoberta do outro na adoração e
desejo da sua essência, haverá junção de algo misterioso, maravilhoso e divino
que nos ultrapassa, e que coloca em todos os ciclos a fonte da sabedoria, na
ordem humana e sentido no mundo.
E quando é
correspondido, é dádiva por dar e receber, favor que pede enaltecimento por
exaltação, e reconhecimento pela graça do amor.
Amor,
palavra que tem perdão por saber amar, estar junto por ser amigo verdadeiro,
fazer o ente amado sorrir sentindo-se protegido, viver cada instante
energicamente como se fosse o último… respeitar, porque o amor ultrapassa todas
as barreiras da vida.
Amor, algo romântico,
que magia!
Se houvesse magia em
tudo…
não havia origem e fim
na vida,
só existiria amor no
mundo!
156
Sendo a vida
um acto espontâneo que corresponde a todos os instintos de quem a comanda, se
usar o amor como um bálsamo que tonifica toda essa actividade, obterá desse
acasalamento existencial uma afeição carinhosa do seu estado mental duplamente
reflexiva.
Eu tenho
feito da minha vida… um sonho que não tem vida.
O sentido
que dou a tudo, é o modo como eu passo todo o tempo a sonhar, vivendo a
minha vida interna com o arrefecimento de todos os órgãos, mantendo o calor dos
batimentos do meu coração na consanguinidade da esperança.
Todo a
humanidade que me rodeia se transforma em actores com uma perfeita actuação
daquilo que entendemos por humanos, caminhando todos em cima da sua costumeira
rotina, gente da mais variada cor habitando momentos ou vivendo situações, das
mais diversas às comuns se não forem estranhas.
Este, é o olhar que eu lanço ao palco da vida, com
todos veraneantes em Assunção e os seus modos terrestres visionados na plateia
por um único observador… detrás, por entre a sua mente, existo eu no seu
pensamento, a quem dediquei a minha orientação única e exclusivamente como um
sonhador.
157
Sou o que sempre fui, um fantasma dos sonhos… sonhador
quanto baste… impossível de identificar no seu estado nativo, e quem me disse
que tinha de viver… esqueci ou não tomei em consideração, porque não está na
minha natureza ou forma de ser, imitar as convenções.
Sempre
estive aonde não pertenço, e embora não vá donde sou, sou donde não era… ainda
que seja donde fui e nunca estou, porque nunca pude ir.
Agora que me
recordo do percurso que me fez chegar até aqui, constato que tenho remado
sempre contra a maré… podem pensar que sou do contra, mas é apenas um defeito
do feitio do meu corpo dar a ilusão de que sou feito de sonhos.
Despojado de
tudo o que não sou, destapo um pouco a capa que me encobre por baixo, para dar
a quem queira os versos que eu sinto, e receber o que posso imaginar com amor,
e sentir a vida quando passa por mim.
158
Da amante me
obrigo a que não seja um sonho distante, encobertas de paragens enevoadas pelo
calor do sol, na atracção que eu tenho pelas distâncias de paisagens
sonhadas, a doçura da imagem que tento romper na névoa do sonho, para eu poder
amar com todas as forças do meu amor, quem julgo ser.
Sempre
gostei de inventar o meu mundo restrito de amigos.
Juntos somos
ilimitados.
Falar de
amigos faz me vibrar por dentro num êxtase total… indescritível descrever essa
sensação, simplesmente vive-se e não tem tradução nem palavras que a expliquem,
quando eu sinto de um modo diferente.
Dizem que um
“flash” provocado pelo ácido, dá um mundo interior vivido a cores de arco-íris,
que só quem se arriscou a chegar à berma do abismo e resistiu… pode dizer que
morreu e ressuscitou.
159
Também posso
dizer para quem quiser visitar essa parte transcendental do corpo (basta ter
nascido espírita), conseguir teletransportar a alma e seus fluidos
perispirituais a impossíveis paragens, ter a consciência de si mesmo para que o
domínio próprio lhe dê equilíbrio mental e uma percepção seguida de lógica.
Para
ver, é preciso assistir,
depois de morrer aparentemente…?
Se
acreditar que volta a nascer…
quando a vida acorda da morte,
e da
morte volta a viver.
Actualmente,
tenho este mundo de alguns amigos que aprendi a amar por acaso, e outros por
afinidade a quem lhes tenho amor, e ainda outros por destino.
Uns são
colegas, mulheres e homens da Incompol, outros são da vila Porto Alto e da
cidade de Samora, grandes amigos da Net, e alguns espalhados por Portugal a
quem lhes perdi o rasto e tenho saudades mortais…
No meu
dia-a-dia, estou com eles em carne e sangue por sermos da mesma empresa, e
embora falemos pouco, juntamo-nos quando alguém faz anos ou até num simples
jantar de amigos.
160
Claro, da
Net são todas mulheres daqui muito perto, e outras do país irmão.
Todos têm
vida própria, incompleta e delimitada, porque hoje em dia a concorrência não
poupa ninguém… hodiernamente poderá ser um lindo dia de sol, ou o devir raiará
cinza cinzenta taciturna - um vulcão de pesadelos.
Alguns têm
algumas contrariedades, uns vivem consoante a vida, outros estão inseguros… mas
nada que não mude repentinamente os sorrisos e o convívio em prole da alegria,
e no fundo que interessa?
Poucos ou
grandes… somos todos amigos, e nesses momentos juntos, estamos unidos,
invencíveis, nada consegue atravessar o nosso afeiçoado império.
Recordando tempos idos da minha meninice real, não
posso evitar emoções passadas no meu corpo fúnebre de criança, levando o
meu pranto contínuo às imagens despretensiosas de sonhos saudosos, que por não
serem cenas palpáveis de visíveis realidades me põem sofredor num banho de
nostalgia.
161
A irritação
que eu tenho de não poder recordar e refazer esses laços de amizade, de
afectuosos devaneios com quem vivi tantos pormenores alegadamente imaginados,
não faziam parte de nenhum lugar… ainda que fossem livres no conhecimento deles
na minha companhia.
O passado de
meus sonhos são pesados como chumbo, nada lúcidos, misturando o
positivo-negativo do perto com o longínquo como se ambos fossem pólos
possíveis, buscando seres amados no mesmo local dos desejos angustiantes, quase
prestes a tocar misturas de escuros e claros… e voltando aos inícios repetidos
entre pretos e brancos, como se fossem cartazes pintados com tinta Nanquim e
aguarela… cujas cabeças se encontram suspensas de cabides, acabando por se
diluir como bolinhas de sabão, quando as tento alcançar com o meu abraço da
tormentosa saudade… revolvendo pesadelos.
O passado de meus sonhos é a cela do meu imaginário… repetindo sempre as mesmas cenas de coisas antigas, porque meu espírito de desejos às vezes adoece de solidão, e saudades das gentes amigas que foram do fundo coração o meu habitat insubstituível do poder da vida, e do conhecimento endeusado que eu tenho por modelo e não consigo…
O passado de meus sonhos é a cela do meu imaginário… repetindo sempre as mesmas cenas de coisas antigas, porque meu espírito de desejos às vezes adoece de solidão, e saudades das gentes amigas que foram do fundo coração o meu habitat insubstituível do poder da vida, e do conhecimento endeusado que eu tenho por modelo e não consigo…
162
Tudo isto
proveniente do sonho correndo em minha mente a fazer de dor, e dos instantes
que passei vidrado de recordações que eram saudades dum passado… que eu solto
lágrimas por não poder mais viver no presente.
Não haver um éden feito do céu à minha medida, não conseguir defrontar os habituados amigos que sonhei, deambular pelas ruas que passei tantas vezes com apaixonadas voltas das companhias escolares, acordar ao som das cantarias das desditas aves de capoeira e o ciciar matutino da casa de campo… onde vivi composto por Deus na correcta colocação para subsistir, e poder usufruir dos meus próprios sonhos, num tamanho espaço interior que embala essas estéreis realidades.
Não haver um éden feito do céu à minha medida, não conseguir defrontar os habituados amigos que sonhei, deambular pelas ruas que passei tantas vezes com apaixonadas voltas das companhias escolares, acordar ao som das cantarias das desditas aves de capoeira e o ciciar matutino da casa de campo… onde vivi composto por Deus na correcta colocação para subsistir, e poder usufruir dos meus próprios sonhos, num tamanho espaço interior que embala essas estéreis realidades.
Expor por
palavras sentidas toda esta obra de mim próprio ao som da música e das lágrimas
fluídas de um rio encantado, para o inconsciente sem sentido nenhum, sem Deus,
sem nada… sem ninguém, como um solitário sonhador.
Sentimento
e consciência, ambos sonham... mas só um tem a percepção da realidade.
163
Sentir é
importante, é sentindo que se pode amar.
Que melhor
sensação tricolor há no mundo do que o amor?
Se tricolor
são as três cores do amor, que colorido melhor as define senão, um pai, uma
mãe, o milagre dum filho… a criação.
Sentir é
importante, todas as sensações são necessárias, mas não é o sentido no seu todo
que só por si se justifica, mesmo falando dos laços de família, em vez da
extinção da raça humana – é a consciência de pensar existindo, mais importante.
Esta noção de estar consciente, alerta em todos os
sentidos, no estado em que sempre me tenho encontrado… embora catatónico, me
torna conhecedor do sofrimento ao meu redor, e dentro, a consciência sabedora
que tenho de mim.
Abrindo o córtex para desvendar meus próprios órgãos,
vejo o que não quero.
Sei das diferenças entre os sentimentos e a
consciência… melhor ainda, sei das desigualdades entre mim e o mundo… mas
falta-me o termo que me dê cura.
164
Pressinto danos irreversíveis, se não sair do marasmo
de meus passos a que me condeno, e não consiga reagir soltando lágrimas rijas,
ou saiba que não valha a pena fugir das emoções contidas, que o meu pensamento
encerra as sensações da maneira que passei a viver, o que sentia da vida neste
beco sem saída.
E os caminhos não são extensões da minha intenção… são
mais a preguiça inabalável de mudar o meu modo de sentir, e o acomodar
consentido do entorpecimento, talvez para dar a ilusão da culpa do destino…
desta modorra que é o meu estilo do feitio, e a minha marca incógnita repartida
no tempo.
Faço muitas vezes esta pergunta a mim mesmo: Quem sou
eu?
Depois de meditar, achei todas as concepções naturais
que fazem de mim um ser humano essencialmente pensante, e embora a forma seja
válida, senti decepção nas ideias pelo conteúdo concluir uma síntese que é da
generalidade.
Não quero tornar-me diferente por ser apenas… quem sou
eu?
Quero saber o que mais se aproxima da verdade e obter
o concreto que me defina em consciência, e me diga:
- Quem sou eu?
- Quem sou eu?
165
Sou o reflexo de mim, e o espelho dos outros. Quanto
mais amo, mais amor recebo. Se esqueço, também minha alma é ignorada, e obtenho
o medo do silêncio.
Amamentei sons profundos de lugares etéreos
encriptando pensamentos, repeti-me vezes sem conta na busca da
perfeição… investigando-me com as minhas curtas histórias, vagueando
no desfolhar duma página esquecida, uma flor conservada dentro dum
livro com perfume na sensação dum cheiro conhecido.
A voz que se ouve lá ao longe, de alguém
que sussurra nas asas do vento vagamente familiar, e que se quer junto dos
seus…saudades do ser… saudades de ser eco das sensações, doutro que foi no
mesmo corpo alma e aparição…
Neste dia…
Viver o dia…
é como o nascimento de gémeos em nós, umas vezes vivos, noutras vezes mortos…
para dar as vezes de viverem todos os dias a vez a cada um.
Todos querem
viver num corpo…
Apesar de
tudo há a possibilidade de coabitarem dois, sentirem ambos no mesmo instante,
mas não viverem todos no próprio tempo idêntico.
166
Sentir no
antes e depois… também é viver.
Ontem, faz
parte do sonho repetido hoje, uma vida sagrada e imutável que não altera a
juventude por ser vivido no passado.
Este dia é
como uma nova luz do original mundo, num amarelo vivo remanescente… irrompendo
por entre a madrugada do silêncio.
Nunca tive a
hora como a badalada duma torre, dum galo campesino enquanto foi vivo seu
cantarolar certinho como um cuco… nem a luz teve indefinidamente o parecido
brilho no decorrer do ponteiro no semelhante número do tempo… nem o meu
corpo teve sempre o mesmo ser no levantar encoberto da colcha quente pelo toque
do despertador…
Amanhã será
um novo acontecer, mas os sons serão idênticos ao relógio das horas, e
tudo se repete na manhã que é dia de nascer, e o que for visto não será outra
coisa que não seja igual ao que vier a suceder…
São hoje
dias, o que eu serei no seguinte… a saudade de ser findo.
167
Pousei na
areia fina horas sem conta, o olhar na paz do firmamento de ensejos contíguos
sem ligação no entardecer do sol, como um amante poeta do mar, vendo a espuma
da água salgada desenhar versos de amor no rebentar das ondas apaixonadas,
entre o vaivém das saudades prometidas, e o acabar…
Mal acabavam
de passar, e já eram um rito espiritual…
Ora surgiam,
para logo desaparecer em meus olhos emocionados de névoas esbranquiçadas, vertendo
lágrimas brancas de sais fantasmas, que o vento fazia voar por cima do oceano
no seu contágio, fazendo chorar o mar.
Ele… e eu,
éramos duas crianças adorando a beleza ao redor, até onde os nossos corações se
tocavam, e o amor nos enlaçava no fascínio das almas que se amam para lá do que
é irreal…
Hipnotizados
como espírito e matéria, sonhando com a eternidade… porque os sonhos assim, só
podem viver na imortalidade – sendo autênticos com tão grande natureza, e
profunda adoração, como um Deus e uma Deusa à beira-mar.
168
Desejamos
ser sempre quem não somos, para isso, vamos atrás dos sonhos… em busca quase
sempre do que não pudemos alcançar – e a vida é bem triste se é um logro.
/Ó vã cobiça que és tu fantasia, de sonhar quem não és!/
/Ó vã cobiça que és tu fantasia, de sonhar quem não és!/
E à noite,
sentado no mesmo deslumbramento, só eu, o mar, o ruído das ondas e a lua pondo
a sua cara de luar, que enfeitiça qualquer coração empedernido por mais
insensível que seja.
A impressão
que tenho da solidão neste momento, é diferente de todas as causas que conheço.
É uma solidão precedida do êxtase que me dá o conforto da melhor companhia
feminina que alguma vez tive, imbuída do mistério que são as estrelas do céu e
o final ilusório do horizonte onde parece acabar o mar e suceder novo mundo. É
uma solidão boa… a parceria da lua feminil, a inquietação do mar e a janela do
Universo… dá-me a sensação de conquista comigo só, sentir o Senhor de tudo em
pose no trono como um Deus pensativo, sentado aqui como eu.
Sozinho na
noite dos mundos… donde sou, pergunto a quem pertence esta sombra onde estou,
se o reflexo da lua, ou o espectro da minha alma no mar. Não me sinto só… tenho
o mundo a meus pés – por isso, é uma solidão boa…
169
A rebentação
das torrentes de volta ao início no seu ausentar, o existe antes do nunca…
depois no limiar da hora zero.
A imensidade
no mesmo vazio de vagas sem cursos repetidos, ambos estátuas nos coloridos dum
retrato que me causa memórias de emoção.
E só a minha
alma não humana tinha olhos e via…
À noite, o
mar sente à superfície do seu ser a vastidão do seu território como a solidão
da sua grandeza. E eu sinto no seu Império o sonho de voar por dentro do seu
leito, como um Peter Pan na companhia da sua fada Sininho.
Eu sou
aquelas nuvens de ondas caindo vivas lá do alto do céu… embatendo como fumos de
espuma naquela vibração de água e sal, sentindo o coração do oceano palpitar
dentro de mim, e o azul dele… sentado onde eu estava trocando de mar e de
ancoradouro.
Só me
reconheço ao pé do mar nos segredos que a noite me dá, a revelação daquilo que
sou nos desejos do meu pensamento.
O que perdi
quando amei por erro inconstante o que não devia… e que depois de surgir, vi na
consequência do amor aquilo que designo por vida – destruído.
170
Todo o ser
vivente é moldado de inteligência, sendo a natureza a criação da vida, todo o
peixe, animal de quatro patas ou de asas – pensa.
Uma coisa
leva à outra… para os animais nós somos diferentes apenas na forma.
Para mim, a
igualdade é condição de qualquer animal, residindo a única diferença no modo
como ambos sentimos os desejos do pensamento.
Quem sabe o
que pensa ou deseja o mar… se a sua comoção está no imenso coral cheio de
sobreviventes com escamas, escravos do silêncio profundo escutando a voz dos
mais fortes na sua voracidade. Que sonhos podem ter, senão pasto dos
lobos-marinhos, dos chacais humanos ou do canibalismo das mentes?
Senti um
sabor amargo, as ambições de todas as épocas que comigo passaram à beira-mar as
angústias de quaisquer idades… a forma de um sorriso que desperdicei e não tive
ensejo de demonstrar, as emoções à flor da pele com pranto d'alma desse alguém
que se ama e não pude ter, os anos que deixo passar e o viver que não vivo… o
tempo que passo no mar de olhar perdido como se estivesse à espera dum milagre…
171
Tudo o que vejo sonho com a mesma facilidade no
momento em que encontro a realidade. As imagens a preto muito negro, uma célula
do presente que descobre nos dias antigos uma falta de colorido da minha vida,
tendo a aptidão que me é dada… o que enxergo numa em falta, completa outra na miragem.
Se fixo um
sonho, algo quer dizer que passa na vida, quase como uma pitonisa. Os
significados destas coisas às vezes tornam-se surpreendentes, noutras confusas.
Penso uns breves segundos… se é adivinha, nem me preocupo.
Resta-me
pouco espaço do pensamento, e na falta deste… paro o tempo, desligo a
consciência dessa célula. Por ter pouco interesse, dou-lhes a importância que
merecem, e nem por isso me retiram o sono.
As formas
dos sonhos, por vezes complexas, outras compassadas, nem sempre são as que se
passam na nossa humanidade.
A diferença
reside na realidade para uns, e no sonhar para outros, porque o modo de pensar
interiormente em cada indivíduo, é a desigualdade dos mundos que ambos
concernem na mente, por disfunção celular, loucura ou fantasia.
172
Para mim, os
rostos e os acontecimentos são idênticos na sua aproximação e nas suas
metamorfoses antigas, nada dissemelhantes da existência, nem dos sonhos.
Todas as
faces em estado puramente naturais, os seus sorrisos, as suas preocupações
estampadas nos rostos, a alegria difusa na paz d’alma, a raiva cometida como
crime, os pesadelos precedidos de angústias e anseios nunca alcançados… todos
os sonhos nada são mais do que um reflexo, na extensão que sou de mim,
semelhantes à minha realidade.
Não sei
quando vou parar de falar nestes termos, para quem estas impressões são apenas
ideias pouco a propósito, sem interesse, de concepção inventada meramente por
capricho, ou ficção de contos de cordel com devaneios intervalados pelo meio,
de quem não acredita no espírito da coisa… por pensar que não existe.
É como negar
o mundo, tudo imaginação tola dos sonhos. Pensar a vida que nos faz sonhar,
também não existe então?
Então, nós
somos produto duma Inteligência Superior, o pensamento do nada.
Então, nada
é o Universo, o Deus do reino real, e nós – as estrelas. Ao admirar uma
estrela, vejo um ser com amor… que existe como um sonho.
173
Sábado, 25
de Junho de 2011.
Previsão da
temperatura rondando os (40ºC).
Oiço o som
de passagem dum automóvel vindo do fundo dum túnel… «coisa esquisita…» não
falo, mas estas palavras soam-me como um eco na cabeça.
Viro-me
inconscientemente de barriga para baixo, para o lado da janela fechada
hermeticamente com estore verde de alumínio…
/Se tenho
algum assunto que me preocupa no dia seguinte, e se o quarto não estiver
completamente às escuras, é uma noite perdida sem dormir. /
Acto
contínuo, com as duas mãos coloco a almofada por cima da cabeça, de repente…
oiço a pesada porta da rua bater com estrondo.
Não sei
quanto tempo se passou entre o passar do carro e o bater da porta.
Sei quando
isso acontece, que é à mesma hora religiosamente todos os dias.
Meu pai
acabara de sair… para ir à Padaria.
174
Desta vez
acordo meio estremunhado ao ficar de olhos no tecto, e inclinando os olhos para
a mesinha de cabeceira, mal consigo ver as nove horas e meia no despertador.
Demasiado
cedo para quem tem o costume deitar um pouco tarde, para lá das três da
madrugada.
Talvez
devido ao anúncio da subida das temperaturas e do sensível calor das quatro
paredes, o pequeno desconforto que provoca, me faça saltar da cama.
Esfregando
os olhos com os dedos das mãos macios, levanto-me sem hesitar… com seis horas
de sono, puxando o lençol e sentando-me na cama para vestir os slips, e
dirigir-me ao telefone do chuveiro para me refrescar com um banho matinal -
despertar e descontrair o corpo com água quase fria.
É um ritual
que não dispenso, seja a que horas for… de Inverno a água quente todas as vinte
e quatro horas, com o Termoacumulador da Efacec montado no sótão para fornecer
em poucos segundos o que não consegue o Esquentador.
/Hoje, é um
dia insuportável de calor para os casais com ou sem filhos que
recorrem à praia para se refrescarem…/
175
Adoro a
minha casa, porque nestes dias todas as divisões estão frescas devido à
instalação no corredor dum forte dispositivo de ar condicionado, além de outro
na sala… é como se vivesse no paraíso, nem sinto o braseiro que vai lá fora.
Necessidade
de sair? Não. Estou bem, muito obrigado!
O pavor de
habitar dois mundos com olhos de falcão e ouvidos de cão, trouxe-me esta agonia
corpórea, descendente do enjoo da vida com o meu acordar, ao levantar-me com
gestos repetidos do leito como ondas do mar.
Pouco ou
nada sonhei esta noite… talvez por adormecer o corpo e a mente com o cansaço e
a fadiga do trabalho a pensar no calor…
Não eram boas perspectivas que se avizinhavam, para mais um tédio no ar… como uma teia de aranha ao canto da parede do meu quarto, e a pobre da aranha à espera duma mosca e nada…
Tenho uma certa curiosidade para ver se o tédio é coisa que lhe afecte a cabeça ou o estômago…
Por mim, como a adoptei como bicho de estimação, pode ficar se quiser… até já lhe pus o nome de «Fastio».
Não eram boas perspectivas que se avizinhavam, para mais um tédio no ar… como uma teia de aranha ao canto da parede do meu quarto, e a pobre da aranha à espera duma mosca e nada…
Tenho uma certa curiosidade para ver se o tédio é coisa que lhe afecte a cabeça ou o estômago…
Por mim, como a adoptei como bicho de estimação, pode ficar se quiser… até já lhe pus o nome de «Fastio».
176
… De tal
sorte, assim que me levanto da cama, tenho uma companheira com quem posso
partilhar meu enfado… por isso, digo sempre:
- Bom dia
Fastio!
Esta
sensaboria que me põe a léguas das sensações boas, torna enfadonho meu espírito
sombrio na parte obscura, onde andam outros desinquietos à procura de não serem
invisíveis… para que as forças desconhecidas lhes dêem o chão terreno, e eu
trema da aproximação que o terror me provoca sem nunca acontecer… a espera
incerta que é esta vida entediada, e os fantasmas do tédio.
Todos os
meus dias estão cheios de aborrecimento, e hoje especialmente, preciso dessa
letargia que me faz sonhar, porque esse é o meu modo de viver, o único jeito de
sentir o ser palpitando.
Todas as
minhas paragens são de noite por lugares que a minha alma me leva a visitar…
uns que já estive, outros que gosto de estar… ao pé de entes queridos carentes
de mim, e eu matando saudades deles… amando - Isto, é o paraíso.
177
Sorrimos com
tanta felicidade do encontro, que sentimos os corações latejando como bombas,
abraçamos o espírito e damos as mãos, sentimos tudo!
Nunca o
mundo me pareceu nestes instantes, consistente e autêntico… e eu, tão vivo.
Só preciso
de dormir, e pôr os meus sonhos em dia… e se tiver um pouco de sorte, talvez
consiga ficar no mundo do coma… deixar esta vida de tédio letal, e sonhar
eternamente como um mortal afortunado, se nunca mais acordar…
Esta é a
notícia duma manhã… que me acorda para a tolice do que sou, na meiguice do
choro seu, e com o bálsamo do meu coração num enfarte importuno, trazendo a dor
como remédio, na separação das sombras do mistério dela.
Esta é a
notícia duma manhã… que o nervosismo não consegue disfarçar meus trejeitos
insignificantes ao menor esforço do rosto… para mais, o temor da mania por não
ser reconhecida, ao citar com os tiques dos dedos um provérbio da solidão, num
acto de desespero que me faça levar à alienação do amor, e eu, nunca mais seja
eu, não me reconheça um solitário das palavras, sozinho no mundo… não peço um
abraço ou a queima dum beijo, mas quero dedos que enlacem minha mão.
178
Esta é a
notícia duma manhã… que o meu sangue jorra exclamações saindo em catadupa,
soltando fórmulas de ADN para a criação de cobaias espirituais, lançando gritos
de parca existência que os corações falavam, para a invenção da minha nova
alma.
Esta é a
notícia duma manhã… que me mói, por mais estático que esteja tudo me
fatiga.
Há um enjoo
dos intervalos dos momentos porque o espírito não alcança, e mesmo quem
descansa como eu, só a imaginação de o adquirir me estafa.
Há aflições
que me matam de tanta dor… desconhecem todos aqueles que tentam escapar
às mágoas estranguladas com astúcia, e ainda têm tempo de se desviar do
aborrecimento com uma subtileza que nem lembra aos mortos… aí o tédio é não
acordar, ainda que a ideia seja mortal.
E embora o
pensamento não seja eu, toda a forma de ser tem um estado que é temporário, e
conservado num esgotamento tremendamente cansado como o meu.
179
Esta é a
notícia duma manhã…
Talvez por
ser o alvorecer do tempo matinal, o meu cansaço seja provisório, e este tédio
faça parte de mim nesta ensonada matéria sem vontade própria, a não ser… senão
for por procedimentos dos sonhos para conseguir viver, fugindo da agonia e
desalento do estômago que se aloja na consciência como uma úlcera, talvez o
voltar a nascer sempre que acordo, seja uma cura que me purgue o corpo.
Viver é uma
condição depois de sonhar, a união de dois seres, germinando em inocência duma
flor Margarida na pureza dum ser – fui um dia eu, poderás ser tu… qualquer um,
será um dia o nascer – criação dum autor inventado.
Esta é a
notícia duma manhã…
Não fico à
espera de viver, nem vou antecipar-me à vida, só porque tenho de justificar o
ar que respiro.
Viver é um
colapso que nos pode interromper a qualquer momento, ficar a meio de algo sem
explicação… estar quieto imitando o parado.
180
Não quero
resumir a redundância da vida numa breve miragem… que fazer?
Deixar a
natureza na sua perfeição acontecer… buscando o eixo do meu equilíbrio,
conjugando o apoio do Chão na sua dança em volta da Estrela Amarela, sonhar em
cima das ondas do mar na procura do escurecer, vivendo na lua…?
Amando é o
termo...
Também se vive na rua das nuvens…
Também se vive na rua das nuvens…
O ruído
parecido com gente na ressonância da minha cabeça como uma colmeia, não é
mais do que o enxame de abelhas humanas no seu zumbido imitador das vozes
com passos fantasmas… voando à solta no espaço das casas, saindo do corpo das
criaturas.
Desconheço a
ansiedade desses entes vagueando mentalmente. São
estranhos que vivem noutra dimensão, fugindo a toda a hora de si mesmos, com
inquietações estampadas nas expressões graves, só com olhos e bocas,
indiferentes à dor alheia e aos olhares do mundo no seu egoísmo espiritual.
181
Sem
expectativas, compreendendo o que tem sido a minha fraca existência, contrária
à minha vontade, dou o dito por não dito… percebo as pisadas do meu espectro
numa imitação clássica e sem realidade.
O que fui é
tudo o que sou agora, estagnação no tempo.
“Só quero
sentir a vida como sempre fiz”- não conheço outra legenda infeliz, porque não
me resta mais nada… sou uma eterna criança dentro de mim, sentindo a vida no
seu acto mais puro, brincando nos jardins da infância com sentimentos que vivem
de corações, e do meu Anjo da Guarda.
Conviver?
É qualquer coisa que eu desejo,
talvez não seja como deva ser…
se é tudo que eu quero?
Uma coisa simples de respirar
e não só transpirar…
mas é tudo lampejo
que a vida quer p’ra viver.
182