Baixa da Banheira, verão do ano 1980.
ACREDITE QUEM QUISER
VER E OUVIR SE SOUBER
“O que mantemos oculto é responsável por atrair os outros até nós”
Hospedado na
Baixa da Banheira, morava num 1º andar.
Dormia num
quartinho, tapado apenas por uma cortina branca transparente que dava para a
sala de estar.
A única
porta, ficava ao meio do recinto a cinco metros da minha cama e dava para a
varanda, iluminada por um candeeiro de rua.
Naquelas
noites de verão, bem quentes, era costume deitar-me às duas horas da
madrugada.
O calor era muito e o andar muito quente.
Subi as
escadas, abri a porta sem fazer barulho, e no corredor passei pelo quarto da
senhoria que dormia. No dia seguinte, de comboio para Palmela, começaria mais
um dia como escriturário-dactilógrafo no Estaleiro da Subestação, EDP.
Ao
deitar-me, tapado com um lençol branco, virei-me para o meu lado direito e
quando me preparava para adormecer – ouvi uns murmúrios esquisitos por cima de
meu rosto, e ao mesmo tempo indescritíveis, porque não os consigo descrever com
exactidão por palavras.
Só ouvindo e
vendo como eu presenciei naquela noite, sente-se sem saber como, que estamos
perante um mundo dentro de outro mundo, que há vida para além de outras vidas,
que há um lugar melhor e outros piores - bem negros.
Olhei para o
alto, e dezenas de vultos fantasmagóricos todos de negro, esvoaçavam por cima
de minha cabeça andando às voltas uns dos outros, delgados e ondulantes como se
estivessem dentro de um tecido preto, virando e revirando de direcção com uns
olhitos esquisitos, única prova do que parecia ser humano errantes de um andar
perdidos, tal e qual como se imita o terror.
Não se calavam… e se aquilo era falar, tinha qualquer coisa de sinistro, pareciam murmúrios em tom de protesto mas não entendi nada.
Não se calavam… e se aquilo era falar, tinha qualquer coisa de sinistro, pareciam murmúrios em tom de protesto mas não entendi nada.
Que arrepio…
mesmo que falassem um de cada vez, com o susto que eu estava, parecia-me
diferente das chinesices… e se vozes não eram, além… eram sílabas com espinhos
e silvas, esquisitices… perplexo com
o que se estava a passar, belisquei-me.
Estava mesmo
acordado.
Ao olhar
para a sala, vi também toda de preto, sentada de frente, olhando para mim, um
corpo forte e um rosto vazio… sem olhos, uma cavidade profunda, a boca do
inferno… talvez, donde saíam por certo aqueles espíritos inquietos.
Era
exactamente os contornos e a figura da senhora (médium) que dormia num quarto
ao lado do corredor.
Fiquei ainda
mais arrepiado, e acho, que naquele momento me podia ter caído qualquer coisa
ao chão da cama, se não estivesse pendurado o meu medo interior…
Tapei-me com
o lençol e adormeci lá não sei quando... com um
zumbido no ouvido, tal e qual um barulho dum insecto vivo rondando, maior que
um gigante moscardo negro, menor que o espírito preto.