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quarta-feira, 28 de agosto de 2002

ACREDITE QUEM QUISER VER E OUVIR SE SOUBER








Baixa da Banheira, verão do ano 1980.


ACREDITE QUEM QUISER
VER E OUVIR SE SOUBER

 

 “O que mantemos oculto é responsável por atrair os outros até nós”

Hospedado na Baixa da Banheira, morava num 1º andar.
Dormia num quartinho, tapado apenas por uma cortina branca transparente que dava para a sala de estar. 

A única porta, ficava ao meio do recinto a cinco metros da minha cama e dava para a varanda, iluminada por um candeeiro de rua. 
Naquelas noites de verão, bem quentes, era costume deitar-me às duas horas da madrugada. 

O calor era muito e o andar muito quente. 
Subi as escadas, abri a porta sem fazer barulho, e no corredor passei pelo quarto da senhoria que dormia. No dia seguinte, de comboio para Palmela, começaria mais um dia como escriturário-dactilógrafo no Estaleiro da Subestação, EDP. 

Ao deitar-me, tapado com um lençol branco, virei-me para o meu lado direito e quando me preparava para adormecer – ouvi uns murmúrios esquisitos por cima de meu rosto, e ao mesmo tempo indescritíveis, porque não os consigo descrever com exactidão por palavras. 
Só ouvindo e vendo como eu presenciei naquela noite, sente-se sem saber como, que estamos perante um mundo dentro de outro mundo, que há vida para além de outras vidas, que há um lugar melhor e outros piores - bem negros.

Olhei para o alto, e dezenas de vultos fantasmagóricos todos de negro, esvoaçavam por cima de minha cabeça andando às voltas uns dos outros, delgados e ondulantes como se estivessem dentro de um tecido preto, virando e revirando de direcção com uns olhitos esquisitos, única prova do que parecia ser humano errantes de um andar perdidos, tal e qual como se imita o terror.

Não se calavam… e se aquilo era falar, tinha qualquer coisa de sinistro, pareciam murmúrios em tom de protesto mas não entendi nada.

Que arrepio… mesmo que falassem um de cada vez, com o susto que eu estava, parecia-me diferente das chinesices… e se vozes não eram, além… eram sílabas com espinhos e silvas, esquisitices… perplexo com o que se estava a passar, belisquei-me. 
Estava mesmo acordado. 

Ao olhar para a sala, vi também toda de preto, sentada de frente, olhando para mim, um corpo forte e um rosto vazio… sem olhos, uma cavidade profunda, a boca do inferno… talvez, donde saíam por certo aqueles espíritos inquietos.
Era exactamente os contornos e a figura da senhora (médium) que dormia num quarto ao lado do corredor. 
Fiquei ainda mais arrepiado, e acho, que naquele momento me podia ter caído qualquer coisa ao chão da cama, se não estivesse pendurado o meu medo interior…

Tapei-me com o lençol e adormeci lá não sei quando... com um zumbido no ouvido, tal e qual um barulho dum insecto vivo rondando, maior que um gigante moscardo negro, menor que o espírito preto.












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